Memórias Fragmentadas: Uma história de conflitos e busca pela cura
AVISO: Este texto contém descrições de abuso emocional e físico que podem ser sensíveis para alguns leitores.
Quero compartilhar algo que escrevi, e essa história que segue apresenta um relato profundo e visceral, permeado por experiências de abuso emocional e físico. A ambiguidade entre se essa história pode ser fictícia ou espelhar eventos reais, deixo aos leitores, convidando-os a refletir sobre os temas universais de traumas, e ilustrar experiências dolorosas. Espero que instigue-os a considerar como histórias podem ser pessoas, porque todas as pessoas são histórias.
Minha jornada começa desde a mais precoce lembrança desses atos, quando eu tinha apenas 4 anos numa cidade densamente povoada, conhecida pela presença de indústrias e pela vida comunitária vibrante, mas também pela criminalidade e pela dificuldade de acesso a serviços básicos em algumas áreas. Sentada à mesa, eu resistia à refeição enquanto meu progenitor, impaciente, desferiu um tapa na minha nuca, insistindo que eu comesse. Naquela idade tenra, desinteressada na comida, eu apenas enrolava.
Com o passar dos anos, tais atos de violência se intensificaram, marcados por agressões verbais e físicas persistentes. Contudo, havia momentos — raros e efêmeros — de ternura. Nos raros instantes em que ele se encontrava “bem”, ele me abraçava calorosamente e buscava registrar nossa proximidade em fotografias. Em público, ele sempre me tratava com o afeto visível do “progenitor orgulhoso”.
No início da minha vida, ambos os meus progenitores serviam nas forças armadas — meu progenitor na Marinha e minha mãe na Polícia Militar. Uma das minhas primeiras lembranças remonta à creche localizada dentro do quartel onde minha mãe exercia suas funções. Quando descrevi detalhadamente o ambiente, desde o piso de madeira até as janelas amplas e paredes brancas, ela ficou surpresa; afirmou que essas memórias datavam de quando eu mal teria 2 anos, considerando quase impossível minha lembrança tão nítida.
À medida que o tempo avançava, minha mãe decidiu abandonar sua carreira militar para se dedicar aos afazeres domésticos, cuidando de mim e de meu progenitor. Este último, um homem que demandava fardas impecáveis e refeições quentes, encontrou na presença constante e no trabalho incansável de minha mãe um suporte essencial para seu conforto e rotina. Uma escolha, talvez, fundamentada tanto na segurança quanto na expectativa de que sua renúncia impulsionasse o sucesso de meu progenitor.
Financeiramente, ele provia; emocionalmente, deixava a desejar. Em seus raros gestos de afeto, havia sempre um resquício de expectativa não atendida, pronto para se transformar em descontentamento palpável. O amor, quando manifestado, era frequentemente condicionado à conformidade absoluta às suas vontades, exacerbando a pressão sobre meus ombros juvenis.
Mas não era culpa dele, era minha culpa.
Durante minha infância, testemunhei discussões acaloradas entre meus progenitores. As palavras ásperas sempre partiram dele; nunca houve violência física (na minha presença), apenas verbal, dirigida a ela. Quando os conflitos escalavam para algo mais, eu me interpunha e acabava levando castigos severos.
Meu progenitor, ao conhecer minha mãe, confessou não ter mais ninguém no mundo. Sem família, sem raízes — minha avó paterna havia falecido quando ele era jovem, e meu avô o abandonou ainda criança. Criado por amigos da mãe ou algo parecido, ele era apenas um marinheiro tentando sua sorte. No entanto, ao se tornar oficial da Marinha, seu cenário mudou drasticamente; de repente, surgiram parentes — irmã, sobrinha, familiares adotivos, e até mesmo um filho de um casamento anterior.
Esse foi um momento crucial, se é que consigo identificar tais momentos nesta história complexa. A partir daí, minha mãe e eu nos tornamos muito menos prioritárias.
Além disso, ele frequentemente chegava em casa embriagado, desencadeando discussões e brigas com minha mãe e comigo. No meu caso, esses confrontos frequentemente terminavam em violência física. Minha mãe, acredito eu, não reagia por medo dele.
Por volta dos meus 11 anos, ele começou a me tratar de maneira diferente, rotulando-me como uma filha rebelde. Para mim, essa mudança coincidiu com minha crescente consciência sobre o que realmente acontecia dentro de casa. Consequentemente, afastei-me dele, pois o herói que ele fora na minha infância parecia ter desaparecido (ou nunca existido, depois de tomar consciência).
Durante minha pré-adolescência, ele lamentava meu distanciamento, acusando-me de não mais demonstrar afeto por ele (um afeto que nunca me foi retribuído igualmente). Criticava o fato de eu não querer mais andar de mãos dadas com ele na rua, usar apenas roupas escuras e ouvir músicas melancólicas. Foi nesse período que comecei a perceber sinais de depressão, ou pelo menos a manifestação visível dela.
Era minha culpa, eu era uma filha rebelde.
Recordo-me vividamente de uma ocasião em que me encontrava chorando no meu quarto, imersa no clima opressivo que dominava nossa casa, enquanto ouvia Evanescence, minha banda favorita aos 13 anos. Meu progenitor bateu à porta com determinação, advertindo que eu a abrisse imediatamente sob ameaça de arrombá-la. Após alguns minutos de batidas frenéticas, decidi ceder, não por temor, mas por uma mistura de resignação e curiosidade. Ele irrompeu com um grito, seu método habitual de comunicação e imposição, além das agressões físicas que se seguiriam.
Seu discurso era incisivo: se eu não cessasse de chorar, ele me daria verdadeiros motivos para isso. Então começou: golpes e mais golpes, com a mão, com o cinto, seu olhar furioso acompanhado de olhos vermelhos e rosto vermelho, uma cena recorrente nessas situações.
Para ele, eu não era dedicada aos estudos nem valia muito. Ele sustentava a casa financeiramente, enquanto minha mãe assumia todas as outras responsabilidades. Contrariando suas críticas, eu estudava com afinco. E também passava horas no computador, imersa em jogos como The Sims, Age of Empires e Caesar. Vivíamos em uma vila militar naquela época, e eu era frequentemente a responsável por resolver problemas com tecnologias da época, inclusive os relacionados à conexão de internet compartilhada com o nosso vizinho.
Eu era uma filha rebelde, não queria saber de nada.
Entretanto, eu tinha amigos entre os filhos desses vizinhos. Passávamos os dias brincando na rua, jogando esconde-esconde e futebol. Com um deles, descobri a emoção de jogar Age of Empires em rede local, aproveitando a internet que dividíamos.
Meu progenitor, apesar de sua natureza agressiva, transformava-se em um progenitor amoroso nas festas e eventos com seus colegas de trabalho. Ele sempre me chamava para que eu desse um beijo nele (geralmente embriagado), e o mesmo fazia com minha mãe. Em público, éramos a imagem de uma família perfeita — ou pelo menos era o que ele tentava mostrar. Até que, no início do ensino médio, ele decidiu retirar-me da escola particular onde eu estudava, alegando minha falta de interesse pelos estudos. Talvez pareça um problema de “privilegiados”, mas sempre fui uma excelente aluna e sempre estive em escolas particulares.
Foi nessa mesma época que meus progenitores se separaram. Minha mãe descobriu uma traição que revelou outras infidelidades ao longo do relacionamento. Descobrimos que ele pagava a escola do filho de sua amante, a mesma onde eu estudava. A separação desencadeou uma série de novos problemas: pensão alimentícia, a fragilidade emocional e financeira de minha mãe, e uma crescente sensação de desamparo em minha vida.
Minha mãe tinha o hábito de me envolver em seus próprios problemas, talvez na esperança de consertar o casamento ou recuperar algo perdido. Algumas pessoas de sua família chegaram ao ponto de sugerir que a culpa pela falência do casamento fosse dela, retratando meu progenitor como um homem digno ($$$).
Foi durante esse turbilhão que decidi compartilhar com minha mãe minha atração por uma garota. Já havia mencionado isso anteriormente durante um churrasco enquanto eles ainda estavam casados, mas talvez ela não tenha levado a sério na época, provavelmente pelo consumo de algumas cervejas (2 já eram o suficiente). Quando trouxe novamente o assunto, suas palavras foram dolorosas, e corri para o quarto, trancando-me lá enquanto chorava.
Minha mãe decidiu então ligar para meu progenitor, que estava morando a duas horas e meia de distância de carro. Ela contou o que eu havia dito. Em menos de 2 horas, ele estava batendo à porta do meu quarto, ameaçando arrombá-la se eu não a abrisse. Mais uma vez, eu cedi à pressão e fui brutalmente agredida assim que a porta se abriu.
Eu não queria saber de nada, e dos sentimentos de ninguém.
Naquele momento, não chorei. Ele desferiu seus golpes, mas eu engoli minhas lágrimas. Na verdade, nessa época, eu mal chorava. E quanto mais ele percebia minha ausência de lágrimas, mais violento se tornava. Quando finalmente saiu do quarto, já discutia acaloradamente com minha mãe, culpando-a por tudo. Eu fugi para o banheiro e tranquei a porta. Dentro dele, havia uma máquina de lavar com tampa superior, e assim que o ouvi partir, fui tomada por uma raiva incontrolável. Descarreguei toda a minha dor e frustração na máquina, socando-a repetidamente até que minha mãe, do lado de fora, começasse a chorar ao ver a tampa amassada.
Eu era uma excelente aluna até então; meu professor de matemática me chamava de Violet (dos Incríveis) por causa da semelhança, inclusive no jeito e no cabelo. Sempre me sentei na primeira fileira, diante dos professores. Mas aos poucos, comecei a me distanciar. No ensino médio, perdi-me cada vez mais em meu próprio mundo. No segundo ano, comecei a faltar às aulas para desenhar sozinha no pátio e, como consequência, reprovei. Com o tempo, desisti completamente dos estudos, buscando apenas uma maneira de escapar daquilo tudo.
Essa fase da minha vida tornou-se um breu, como muitas outras partes. É como se meu cérebro as tivesse obscurecido para me proteger. Tenho certeza de que não me lembro de todas as coisas terríveis que aconteceram. Recentemente, tenho descoberto várias dessas caixinhas de memórias ruins que meu cérebro guardou.
Aos 18 anos, fui morar com ele na esperança de concluir meus estudos, pois ele se mudara para uma cidade onde isso seria mais fácil. Mas as coisas só pioraram; tornei-me uma empregada em casa, proibida de receber amigos e obrigada a seguir suas ordens à risca. Qualquer desvio resultava em mais agressões físicas e verbais.
Numa discussão acalorada em sua casa, ele me gritou que eu nunca seria nada na vida, que não valia nada, que acabaria como uma prostituta. Infelizmente (ou talvez felizmente), naquele momento, a primeira coisa que me veio à mente foi: “Assim como fulana teve que fazer?” Instantaneamente, um tapa violento seguido de berros rasgou o ar, tudo porque eu havia ofendido alguém próximo a ele que fizera escolhas semelhantes por necessidade (embora essa pessoa não gostasse de mim, nunca gostara).
Fiz amigos naquela cidade e encontrei algum suporte emocional ali, de alguma forma. Em certo momento, comecei a frequentar aulas de violino na igreja batista próxima, algo que ele me proibira na infância (por razões desconhecidas). Ele não permitia muitas coisas; o karatê e a natação aos 10 anos foram exceções, pois eram oferecidos no condomínio onde morávamos à época. Com a separação, ele vendeu o apartamento e minha mãe passou a alugar um lugar. Ele afirmou ter quitado todas as dívidas dela.
Decidi então desenhar, algo que sempre amei, e vender minhas criações na internet. Foi a primeira vez que ouvi um elogio dele, aos 19 anos, quando desenhei algo a pedido de um cliente. Mais tarde, para agradá-lo, decidi desenhar uma foto que ele tinha em um porta-retratos de quando se tornara oficial. Com o dinheiro que ganhara, comprei uma mesa digitalizadora e comecei a testar suas possibilidades, vendendo meus desenhos. Quando lhe mostrei o resultado, ele o rejeitou, dizendo que não se parecia com ele, apesar de ser uma foto antiga de quando era mais jovem. Nunca mais tentei. Nesse período, tentei fazer o supletivo, mas não conseguia me concentrar. Minha mente e psicológico estavam exaustos.
Minha mãe, em determinado momento, mudou-se para a cidade vizinha, justificando que era onde estava sua família. E assim, entre idas e vindas, conflitos diários, brigas e agressões, eu transitava entre a casa dele e a dela. Mas com ela também não me dava bem; sentia-me apenas um instrumento, uma utilidade.
Uma vez, tive um filhote de cachorro com autorização da minha mãe, mas ela vivia reclamando dele (era um lhasa apso, pequeno demais para causar tanto alvoroço). Certa vez, ela ligou para meu progenitor para resolver o problema, e ele veio. Mais uma vez, fui alvo de sua ira, agredida até gritar de dor. Quando não aguentei mais, ele me empurrou para o canto do quarto e levantou o pé para me chutar. Instintivamente, protegi minha cabeça, que era o alvo, e fechei os olhos. Foi a primeira vez que minha mãe interveio. Ela se colocou entre nós e acabou sendo chutada por ele.
Ele pegou o cachorro e o deu para a namorada da época, se não me engano, porque eu “não cuidava dele adequadamente”.
Eu só me importava comigo, era uma irresponsável.
Um tempo depois, comecei a fazer aulas de Web Design e Desenvolvimento de Software. Desde pequena, sempre fui fascinada por tecnologia e tudo relacionado a isso. Lembro do meu primeiro computador aos 10 anos; esperei meu progenitor sair de casa, desmontei a CPU inteira, tirei todas as peças do lugar e consegui montá-lo de volta antes que me colocassem de castigo. Eu queria entender como funcionava e o que eram todas aquelas peças lá dentro. Lá atrás, eu sonhava em crescer e me tornar uma hacker, à la Angelina Jolie no filme “Hackers”.
Meu progenitor, em um período, comprou um Xbox dizendo ser um presente para mim, mas com a condição de que eu só pudesse jogar na casa dele. Às vezes, também jogávamos Wii juntos, e esses momentos eram raros e estranhamente humanos entre nós.
Fiz as aulas de Web Design e Desenvolvimento de Software em tempo recorde. Era um curso onde eu ia para o estabelecimento, sentava em frente a um computador e o instrutor liberava os módulos. Havia um limite de quantos módulos podiam ser feitos por aula, mas meu instrutor era muito compreensivo. Acabei virando amiga dele e ele sabia o quanto eu gostava daquilo, então flexibilizava para mim.
Por volta dos meus 20 anos, tentei suicídio. Hoje vejo que foi uma tentativa de fugir, não porque realmente queria morrer. Acordei no hospital com meu progenitor ao lado, discutindo com minha mãe. As primeiras palavras que ouvi ao recobrar a consciência foram dele, em um tom furioso e desgostoso: “Se morrer, a gente enterra”.
Por algum tempo, fui morar com ele, e aqui as coisas se confundem um pouco mais na minha cabeça. Se não me engano, isso ocorreu aos 21 anos, e foi o ponto de ruptura que me levou a fugir de tudo aquilo. Combinei de encontrar um amigo na cidade vizinha em um feriado, pois sempre passava os fins de semana na casa dele. Tudo estava acertado, mas no dia em questão veio a surpresa: eu teria que cuidar da filha da namorada dele porque eles tinham uma festa para ir. Fiquei chateada e discuti com ele, argumentando que já havia feito outros planos e ele havia concordado. Ele começou a usar chantagem emocional, mas eu insisti em encontrar meus amigos e voltar antes da festa para ficar com a criança em casa.
Fui, me diverti e me despedi dos amigos, explicando que precisava voltar mais cedo. Tentei pegar o último ônibus, que demorou mais de uma hora para passar. Tentei ligar para meu progenitor diversas vezes para avisar que estava atrasada, mas ele não atendia.
Consegui finalmente pegar o ônibus e cheguei ao terminal rodoviário, onde descobri que o horário do próximo ônibus já havia passado. Entrei em pânico, sem saber como chegar em casa. Continuei ligando para meu progenitor sem sucesso. Consegui falar com um dos motoristas que estava indo para a garagem com as luzes do ônibus desligadas e ele se ofereceu para me dar carona. Felizmente, não apareceu ninguém para pedir carona no caminho, então ele desviou um pouco para me deixar em casa com segurança naquela madrugada. Eu não tinha dinheiro para um táxi.
Antes de entrar no elevador do prédio, meu progenitor finalmente ligou e eu atendi, tentando explicar o que havia acontecido, mas ele já estava aos berros. Cheguei na porta de casa tentando me explicar, enquanto a namorada dele e a filha dela estavam no sofá, assistindo a um filme em 3D. Segui para o meu quarto ainda tentando explicar, discutindo porque ele não reconhecia que eu havia cancelado meus planos para “cuidar” de alguém que não era minha responsabilidade. Ele me seguiu, me empurrou para o escritório e começou a me espancar. Eu gritava, mas ninguém veio me ajudar. Ele subiu em cima de mim na poltrona e continuou a me bater. Eu gritava, mas nada mudava.
Ele finalmente saiu de cima de mim e eu corri para o quarto, tentando fechar a porta. Ele chutou a porta e me jogou na cama, montando em cima de mim para me impedir de sair. Agarrou meu pescoço e levantou o punho fechado para me socar. Eu estava sem ar, com o rosto provavelmente vermelho. Não conseguia respirar, pensar, gritar ou fazer qualquer coisa, só podia olhar nos olhos dele e sentir que ali era o fim. Então ele me soltou, se levantou e disse: “É isso que você quer para que possa fazer algo contra mim?” e saiu do quarto.
Eu era irresponsável, ninguém podia contar comigo.
Depois daquele episódio traumático, consegui fechar a porta do quarto e tentei ligar para minha mãe, mas não consegui contato. Liguei para o namorado dela na época, que prontamente veio me buscar com ela de carro, em uma espécie de fuga. Paramos na orla da praia para que eu pudesse respirar um pouco, e o namorado dela sugeriu que fossemos à delegacia. Minha mãe chorava, com medo dele, mas seu namorado conseguiu convencê-la, e acabamos na Delegacia da Mulher. Chegando lá, entrei sozinha e relatei o ocorrido. A pessoa que me atendeu fez o boletim de ocorrência, mas me perguntou se eu realmente queria prosseguir, mencionando que isso poderia arruinar a carreira do meu “progenitor”. Minha memória desta parte é vaga, mas lembro de ter ido ao Instituto Médico Legal para um exame de corpo delito.
Em outro dia, minha mãe finalmente teve um lampejo de lucidez pela segunda vez e tentou me proteger. Ligou para o local onde meu progenitor trabalhava, gritando desesperadamente, e o superior dele foi avisado de que se algo semelhante acontecesse novamente, ele perderia sua patente.
Alguns dias depois, decidi fugir de casa e ele acabou me dando 500 reais, aparentemente para se livrar do problema. Com aqueles 500 reais, gastei quase 100 em uma passagem para outro estado, distante dali. Fui morar com dois rapazes que conheci através de um amigo online. Poderia ter dado tudo errado, mas eles foram anjos na minha vida. A partir desse ponto, tive a sorte de encontrar várias pessoas que me acolheram e me deram forças para seguir em frente.
Atualmente moro em outro país, longe de tudo aquilo, embora ainda carregue as cicatrizes emocionais. Infelizmente, aos 34 anos, ainda tenho que lidar com as consequências do passado, coisas que não deveriam ser trazidas até mim depois de tudo.
Entendi que nunca foi culpa minha. Eu não era apenas “a filha rebelde”. Eu tinha uma sede de conhecimento e desejo de ser alguém. Sempre tive que me preocupar mais com os sentimentos dos outros do que com os meus próprios sentimentos. Em certo ponto, parei de me importar comigo mesma, mas nunca fui irresponsável. Na maior parte do tempo, não pude contar com ninguém, mas agora tenho apoio. Talvez ele nunca seja responsabilizado por seus atos, mas minha consciência está tranquila sabendo que fiz o possível para sobreviver e consegui.
Foram muitos anos de terapia, medicamentos e um longo processo para reconhecer e nomear as coisas que aconteceram. Levou muito tempo para que eu pudesse me ver e perceber que eu existo.